Da Revolução Industrial ao Mundo Digital: Como as Big Techs Modelam a Economia Global
A Revolução Industrial e a Tecnologia: Uma Conexão Entre o Passado e o Presente das Profissões
A Revolução Industrial foi um marco que transformou profundamente o trabalho, a sociedade e a economia. O advento das máquinas a vapor e das fábricas criou uma nova organização do trabalho e novas relações sociais. Para Karl Marx, esse momento foi crucial para entender a dinâmica entre capital e trabalho. Marx observou que “o desenvolvimento do capital fixa os trabalhadores em posições subordinadas”, evidenciando como os operários estavam presos ao controle das máquinas e à divisão do trabalho.
Hoje, ao olharmos para a revolução digital, vemos um fenômeno similar. A digitalização e o avanço das tecnologias criam novas profissões, mas também reforçam divisões entre aqueles que têm acesso ao conhecimento técnico e aqueles que não têm. O domínio de habilidades como programação e inteligência artificial se tornou tão essencial quanto o domínio das máquinas a vapor era no século XIX. Nesse sentido, a tecnologia redefine o trabalho e a dinâmica de poder, criando uma nova forma de divisão entre os que controlam as ferramentas tecnológicas e os que ficam à margem desse progresso.
A Desigualdade e o Papel do Estado no Gap Digital
Foi o economista John Maynard Keynes que alertou sobre a necessidade de um papel ativo do Estado em momentos de grandes transformações econômicas. Embora Keynes tenha sido otimista quanto ao potencial da automação e da tecnologia para aumentar a produtividade, ele também reconheceu que essas mudanças poderiam levar a um aumento do desemprego e da desigualdade se não houvesse uma intervenção adequada.
Em seu famoso ensaio "Perspectivas Econômicas para Nossos Netos", Keynes sugeriu que a automação poderia reduzir a carga de trabalho, mas sua preocupação não era apenas com a redução de horas trabalhadas; ele estava preocupado com as consequências do aumento da produtividade, que poderiam gerar desequilíbrios econômicos e sociais. Para ele, o aumento da produtividade deveria ser acompanhado de políticas públicas que garantissem pleno emprego, uma distribuição justa de riqueza e acesso igualitário aos benefícios do progresso econômico.
No contexto moderno, vemos que o "gap digital" – a divisão entre os que têm acesso à educação tecnológica e os que não têm – é uma questão de grande preocupação. Como a tecnologia molda o trabalho e a economia, é essencial que os governos e a sociedade se engajem na construção de políticas que assegurem uma distribuição mais equitativa dos benefícios dessa revolução digital.
Big Techs: Estados Paralelos em um Mundo Globalizado
O poder das grandes empresas de tecnologia – as chamadas big techs – se tornou um tema central no debate sobre o futuro das democracias. Com seus recursos financeiros imensos e influência global, essas empresas muitas vezes operam de forma independente de qualquer jurisdição nacional, criando uma espécie de "estado paralelo". Elas têm o poder de influenciar eleições, moldar a opinião pública e até desafiar a autoridade dos governos em áreas críticas, como regulação e leis.
Exemplos desse poder podem ser vistos em ações como a do Google, que usou sua página inicial no Brasil para publicar um anúncio publicitário contra um projeto de lei1 que visava limitar o poder das big techs e aumentar a regulação sobre elas. Esse movimento evidenciou o tamanho da influência dessas empresas, que, com sua enorme capacidade de comunicação, desafiaram diretamente a soberania de um país. Da mesma forma, o Twitter também se envolveu em uma polêmica quando se recusou a remover conteúdos que promoviam ataques a escolas e ideologias extremistas de direita, apesar das solicitações do Ministério da Justiça brasileiro2. Esse tipo de comportamento reflete a crescente tendência das big techs de atuar como entidades com um poder comparável ao de governos, muitas vezes operando sem a devida responsabilidade ou controle.
Esses exemplos nos forçam a repensar o equilíbrio de poder na sociedade contemporânea. As big techs não estão mais apenas fornecendo serviços ou produtos, mas exercem um controle significativo sobre aspectos essenciais da vida cotidiana, como a informação, a comunicação e até a liberdade de expressão. O caso do Google no Brasil e o caso do Twitter são apenas alguns dos muitos exemplos de como essas corporações podem se posicionar acima das leis locais e, em certos casos, operar sem restrições, desafiando a soberania dos Estados.
Ciências Sociais e o Papel da Tecnologia na Inclusão
As ciências sociais desempenham um papel fundamental ao nos ajudar a compreender o impacto da tecnologia na sociedade. Ulrich Beck, por exemplo, introduziu a ideia de "sociedade de risco", onde as inovações tecnológicas trazem tanto oportunidades quanto desafios. A tecnologia não é neutra, e seu impacto social e econômico vai muito além da simples melhoria na eficiência das empresas. As inovações podem reforçar desigualdades ou criar novas formas de exclusão.
É aqui que o papel das ciências sociais e da reflexão ética sobre as tecnologias se torna crucial. Devemos questionar como as tecnologias podem ser utilizadas para incluir mais pessoas, democratizar o acesso ao conhecimento e garantir que suas implicações sociais sejam consideradas. Assim como Keynes defendia a intervenção do Estado para mitigar os efeitos negativos do progresso econômico, as políticas públicas devem ser uma parte integrante da revolução digital, para garantir que as inovações tecnológicas não aprofundem ainda mais as desigualdades sociais.
Lições do Passado para o Futuro
Ao refletir sobre as lições da Revolução Industrial e as teorias de Marx e Keynes, entendemos que o progresso tecnológico precisa ser acompanhado de uma reflexão social e econômica. Marx nos ensina sobre as desigualdades que surgem com o controle dos meios de produção, e Keynes nos lembra da necessidade de políticas públicas para garantir que o aumento da produtividade e a automação não resultem em maior desigualdade ou desemprego.
Como profissionais de tecnologia, nosso papel vai além da criação de novas soluções e plataformas. Devemos estar conscientes do impacto social de nosso trabalho e trabalhar para garantir que a tecnologia seja uma força inclusiva, que contribua para uma sociedade mais justa e equilibrada.